quarta-feira, 11 de maio de 2011

" Poema perto do fim "



A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.

Thiago de Mello

" Carpe Diem "


Sê prudente, começa a apurar teu vinho, e nesse curto espaço
Abrevia as remotas expectativas. Mesmo enquanto falamos, o tempo,
Malvado, nos escapa: aproveita o dia de hoje, e não te fies no amanhã.

Horácio

" Ao espelho "


Por que persistes, incessante espelho?
Por que repetes, misterioso irmão,
O menor movimento da minha mão?
Por que na sombra o súbito reflexo?
És o outro eu sobre qual fala o grego
E desde sempre espreitas. Na brunidura
Da água incerta ou do cristal que dura
Me buscas e é inútil estar cego.
O fato de não te ver e saber-te
Te agrega horror, coisa de magia que ousas
Multiplicar a cifra dessas coisas
Que somos e que abarcam nossa sorte.
Quando eu estiver morto, copiarás outro
E depois outro, e outro, e outro, e outro...


Jorge Luis Borges

" Barulho "


Todo poema é feito de ar
apenas:
    a mão do poeta
    não rasga a madeira
    não fere
             o metal
             a pedra
   não tinge de azul
   os dedos
   quando escreve manhã
   ou brisa
   ou blusa
             de mulher.


O poema
é sem matéria palpável
     tudo
     o que há nele
     é barulho
               quando rumoreja
               ao sopro da leitura.


Ferreira Gullar

domingo, 8 de maio de 2011

" Desde sempre "



Na minha frente, no cinema escuro e silencioso
Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas
Narrando a beleza suave de um drama de amor.
Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso
Ouço vozes surdas, viciadas
Vivendo a miséria de uma comédia de carne.
Cada beijo longo e casto do drama
Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual da comédia
Minha alma recolhe a carícia de um
E a minha carne a brutalidade do outro.
Eu me angustio.
Desespera-me não me perder da comédia ridícula e falsa
Para me integrar definitivamente no drama.
Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às palavras implorantes
Que ambos se trocam na agitação do sexo.
Tento fugir para a imagem pura e melodiosa
Mas ouço terrivelmente tudo
Sem poder tapar os ouvidos.
Num impulso fujo, vou para longe do casal impudico
Para somente poder ver a imagem.
Mas é tarde. Olho o drama sem mais penetrar-lhe a beleza
Minha imaginação cria o fim da comédia que é sempre o mesmo fim
E me penetra a alma uma tristeza infinita
Como se para mim tudo tivesse morrido.


Vinicius de Moraes

" Os Lusíadas "



E vê do mundo todas os principais,
Que nenhum no bem público imagina;
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si somente, e a quem Filáucia ensina.
Vê que esses que frequentam os reais
Passos, por verdadeira a sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florescente.

Vê que aqueles que devem á pobreza
Amor divino e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade.
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade:
Leis em favor do rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem.

Uma das qualidades desse texto camoniano é dizer coisas que ultrapassam sua temporalidade, coisas que são universais ou pelo menos têm sentido além do tempo quando foram escritas. O poema de Camões trata de uma circunstância fundamental para os povos de todos os momentos: a moral dos homens públicos.

" Minha desgraça "



Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco ...

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro ...
Eu sei ... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro ...

Minha desgraça, ó cândica donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para um vela.

Álvares de Azevedo

" Consideração do poema "



Não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. As palavras não nascem amarradas, elas saltam, se beijam, se dissolve, no céu livre por vezes um desenho, são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

A Bellíssima estrofe de Carlos Drummond de Andrade na abertura do poema intitulado "Consideração do poema". Tão lindo! É como se se as palavras executassem um balé mágico!